O universo, os personagens e a palavra rica de Guimarães Rosa ocupam a cena com os espetáculos Canteiros de Rosa – uma homenagem a Guimarães, que percorre o universo autor mineiro através da encenação de contos do livro Primeiras Histórias (Sôroco, sua mãe e sua filha, Darandina e A menina de lá). A peça contou com direção de Jacyan Castilho e texto de Gordo Neto.

A obra de Guimarães Rosa prima por encenar os dramas demasiadamente humanos: loucura, solidão, amor, morte, vida, família, pecado, culpa, alegria, saudade, tempo, misticismo, religião, medo, ódio, devastação, marginalidade. A montagem coloca em cena a musicalidade natural da linguagem do escritor, em um cenário ousado, elaborado com andaimes de construção. Canteiros de obras ocupam o espaço, onde ocorre toda movimentação cênica. Canteiros de trabalho onde a palavra de Guimarães é experimentada na cena, resgatando elementos de sua literatura e de seu estilo: são realçados os elementos musicais de sua linguagem, o ritmo, as quebras, os silêncios.

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Em “Canteiros de Rosa” encontramos um elemento fundamental do teatro e da música: a pausa. Essa musicalidade, fortemente influenciada pela obra de Guimarães Rosa, cheia de silêncios, de notas dissonantes, de “não canções”, também encontra em Jacyan Castilho, diretora deste espetáculo, uma forte aliada.  Seus estudos convergem com os propósitos do grupo e vice versa, e “Canteiros” termina por ser um laboratório para ambos: ela, da universidade, nos encontra disponíveis; e nós, ganhamos uma nova direção.  O própria Jacyan conta um pouco como foi sua experiência com o grupo:

” – Professora você pode dar umas aulas para um grupo de teatro que a gente tem? A gente não tem como pagar…

Com este convite à professora recém-chegada de outra cidade, começou minha história com o Vilavox. Que, de 2004 a 2008, incluiu oficina, aula, ensaio, birita após ensaio, música; criação, crise, risada, briga, música;  aula de canto, reuniões intermináveis, aprender a escrever para edital, aprender a ganhar edital, gerir um teatro coletivamente, lavar as pedrinhas do jardim com água e sabão, produção de peça, produção de viagem, temporada, turnê, levar cenário pra aeroporto, música;   violão e cantoria no hotel, bagunça na cozinha, namoro escondido, ciúmes, ressentimento, cumplicidade, música; intercâmbio, aprendizado, amizade, distância, filho pequeno que todo mundo do grupo cuida, política, políticas públicas, políticas do corpo, música; doutorado, pesquisa, música. Não necessariamente nesta ordem.

Desnecessário dizer: um grupo de teatro é uma vida.

Anos depois, volto ao show de músicas do Vilavox, reconheço-me em metade dele nas antigas canções de espetáculos que conheço; a outra metade não me pertence. Mas as duas metades me mostram que o Vilavox continua jogando futebol por música – não era assim que se falava antigamente do time que joga redondinho?

E continua se assumindo político, essa coisa tão perigosa nos dias que correm. (Falando sério: tão perigosa sempre). Intercalando estrofes de poesia com estribilho de resistência. Emociono-me com ambas.

Longa vida, desejo, à resistência e à música do Vilavox. Que sigam, de uma maneira ou de outra, batendo este estribilho “Acorda… acorda… a corda…” por muitos anos.

Em “Canteiros“, um excelente exemplo do processo de criação onde voz falada e voz cantada se encontram é no caso da personagem “Cila”, por  Marcia Limma. Atriz conta que “Fazer personagens como criança e louco no teatro é sempre um risco de cair no clichê, seja na proposição corporal, seja na vocal.  Na construção de Cila, uma jovem louca, que, com a mãe, também louca, seria mandada para um hospício, após inúmeras tentativas frustradas, parti para o uso dos ingredientes vocais, estudo de Patrick Campbel, que havia trabalhado conosco meses antes. Articulação, tonalidade e nasalidade foram, entre tantos, os ingredientes que escolhi para dar a Cila uma voz incomum, ou uma “não voz articulada”. O efeito causava estranheza, pois apesar de a boca “falar articuladamente”, a voz anasalada suprimia os sons consonantais provocando uma contradição entre o que se via – movimento da boca – e o que se ouvia. O resultado disto pode ser visto em “Canteiros de Rosa”(00:17:00 a 00:17:50) e também no show “Trilhas do Vilavox”, onde conto rapidamente este processo e retomo a canção em que usava o recurso vocal.”

Já para o álbum musical, esta mesma música, “Canção de Cila“, gravada por Marcia, ganha arranjo de percussão e voz, insinuando-se num estilo Virgínia Rodrigues de cantar.

Depoimento de Jacyan Castilho
Espetáculo Canteiros de Rosa
Clip/Canção “Darandina”
Clip/Canção “Casinha Rosa”
Clip/Canção Sapatinho Azul
Canção de Cila